UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – II

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – PARTE II

A apresentação dessa viagem será feita em seis partes.

TEXTO: ALCIR SANTOS
FOTYOS: ALCIR SANTOS e ANTÔNIO CARLOS AQUINO DE OLIVEIRA

Por volta das 18h30min começa o embarque. Os passageiros chegam e apresentam a documentação. Os passaportes ficam retidos. Às 19h00min o Capitão Jaime Barrientos se apresenta, dá as boas vindas, deseja êxito na realização dos objetivos e apresenta a tripulação. Em seguida o Chefe da Expedição, Mauricio Ruiz faz um resumo geral da viagem, destacando a necessidade de cuidado e preservação da natureza, porque o ecossistema a ser visitado é muito frágil. Finalizam com um vídeo sobre as normas de segurança e modo de vida a bordo, seguido dos drinques de boas vindas. Já na cabine, na undécima hora, sou chamado para comparecer à recepção porque a mala extraviada chegou. A LAN se redimiu.

Às 20h00min o Stella Australis zarpa. O entardecer sobre essa parte do Estreito de Magalhães encanta. O sol se pondo sobre as montanhas coroadas de gelo ao fundo, ilumina as águas escuras e tinge de nuances de vermelho a base da cordilheira. À medida que nos afastamos o Pacífico mostra que o nome não tem muito a ver com suas atitudes. Águas cada vez mais revoltas fazem o barco balançar e o simples ato de andar fica complicado, com passos incertos e vacilantes.  Logo depois é  hora de jantar, no “Comedor Patagonia”, 1º andar, onde os passageiros são acomodados em lugares previamente definidos, para toda a viagem. O começo não poderia ser melhor. Comida e bebida de qualidade.  As refeições dos dias seguintes confirmarão que, também nessa área, a Australis prima pela qualidade e bom gosto.

Às 22h00min todos ao Salão Sky, no quarto andar para receber informações sobre a Rota de Navegação. Depois, na cabine, deitado, olhando pela janela/escotilha, não tem como não se perder no bucolismo da lua crescente tentando impor sua luz tímida sobre a escuridão e fazendo brilhar a espuma que o navio faz na medida em que avança. Está dado o mote. Viajar pela Terra do Fogo, o lugar mais remoto e desabitado da terra é, também, uma oportunidade para viajar ao próprio interior, refletir, perquirir, fazer um balanço da vida vivida.

Embora não seja, como os navios de cruzeiros, um fim em si mesmo, mas o meio ao dispor de pessoas que buscam navegar pelo Fim do Mundo, cruzar o mítico Cabo Horn e manter contato com a natureza, o navio oferece todo conforto e segurança, tanto nas cabines quanto nas áreas comuns inclusive na destinada aos embarques e desembarques nos “zodiac”, os botes infláveis que levam os passageiros às excursões. Para completar, a bordo nada de internet, nem telefone e nem televisão.

No decurso da viagem são ministradas palestras sobre a região, sua história, geografia, ecologia, flora, fauna, glaciologia. Nos desembarques, em média dois por dia, são visitados os pontos de interesse coincidentes com os temas desenvolvidos. Durante a navegação, o serviço interno de rádio vai informando sobre os canais, fiordes, glaciares, baías e outros acidentes geográficos existentes na rota. No mais, guias experientes e atenciosos, prontos para orientar, informar e conduzir os passageiros pelas sendas e trilhas nos desembarques.

O primeiro amanhecer é um espetáculo de sombra e luz que vai se apresentando aos poucos. Nuvens pesadas, plúmbeas, vão se tornando azuladas, contrastando com as águas escuras do Fiorde Almirantazgo; raios do sol vão abrindo passagem, iluminando as montanhas nevadas da Cordilheira Darwin. Olhos grudados naquele cenário único buscam reter tudo que veem. Os pensamentos vão longe, muito longe. O Stella navega com velocidade reduzida até ancorar na Baía Ainsworth, em frente ao Glaciar Marinelli, Parque Nacional Alberto De Agostini. Após o café hora de voltar ao Salão Sky para receber instruções e conhecer os grupos, formados basicamente pelo critério de identidade linguística. Na prática, os mesmos das mesas no restaurante.  A seguir os Zodiac são lançados ao mar e as pessoas convidadas a embarcar.

Bem agasalhados, partimos para a primeira excursão, Glaciar Marinelli e o campo de gelo da Cordilheira Darwin.  O grupo é formado por seis brasileiros e guiado pela chilena Gabriela Ponce, a Gabi, graduada em Ecoturismo. Em terra ela faz uma palestra sobre glaciologia; explica que a última era glacial teria durado 60 milhões de anos e terminado há 12.000. Com o fim da glaciação e consequente recuo dos glaciares, é que foi se formando a região, a Cordilheira Darwin com seus 2.400 km² de gelo, o Estreito de Magalhães, os fiordes, as montanhas, as ilhas e as baías. As eras glaciais surgem, basicamente, em decorrência de dois fatores: vulcões e a excentricidade da órbita da terra que em determinado momento se afasta do sol. A neve prensada, livre de ar, se transforma no gelo que forma os glaciares, enormes massas em constante movimento. À medida que recuam provocam mudanças na geografia das regiões onde se localizam, fazendo ressurgir a vida, depois de séculos de hibernação.

Na trilha, pisando com cautela o solo enlameado, Gabi vai mostrando as diversas espécies vegetais, tais como lengas, coihues, canelos, samambaias e ñire explicando a sua evolução num terreno tão pobre de nutrientes como aquele. De alguma forma, sentimo-nos parte daquilo. Lentamente, no tempo da natureza, o solo vai se cobrindo de verde, matizado, aqui e ali, por algumas eflorescências e vão se formando os bosques. Adiante um lago de bordas geladas, águas escuras, resultado do trabalho de uma colônia de castores que ninguém sabe explicar como chegaram ali. A hipótese mais aceita é que tenham vindo de Ushuaia, onde foram introduzidos para produzir carne e pele e acabou resultando num desastre ecológico já que não têm predadores naturais e tampouco são caçados pelo homem. Derrubando árvores e formando lagos, afetam o frágil ecossistema. Finda a trilha de mais ou menos duas horas, retornamos ao ponto de chegada e somos recebidos pelo pessoal da Australis com whisky e chocolate quente. Hora de embarcar nos Zodiac e retornar ao conforto do Stella.

À tarde, o tempo muda. Vem o vento, o mar se encapela, cerração e frio.  Ainda assim embarcamos com segurança nos Zodiac, para navegar até as ilhotas Tuckers, sem desembarque, somente aproximação. Na de Santa Cruz, apreciamos uma colônia de pinguins de Magalhães que costumam vir para o período de acasalamento e reprodução. Na de La Fuente pudemos ver bem de perto pássaros da região, a começar pelos cormorones e gaivotas austrais.  De volta ao barco o programa é visitar e conhecer a ponte de comando e a sala de máquinas.

 

 

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