UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – I

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – PARTE I

A apresentação dessa viagem será feita em seis partes.

TEXTO: ALCIR SANTOS
FOTOS: ALCIR SANTOS e ANTÔNIO CARLOS AQUINO DE OLIVEIRA

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
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Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Fernando Pessoa- Mar Português

Para falar de uma viagem ao Fim do Mundo, tomo como epígrafe poema de Fernando Pessoa porque foram navegadores portugueses que, nos séculos XV e XVI, desbravaram os oceanos e redesenharam os mapas do planeta. O símbolo dessas empreitadas é Bojador que, no caso, significa mais que um acidente geográfico do Saara Ocidental: seria o último limite do homem e do seu mundo.

Dentre os feitos dos nautas lusitanos que mudaram a história do mundo e das navegações, cabe lembrar Bartolomeu Dias que, em 1488, dobrou o Cabo das Tormentas/Boa Esperança, fazendo a ligação Atlântico/Índico e descobrindo a passagem para a Ásia. Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa Espanhola, iniciou, em 20.09.1519, a partir de Sanlucar de Barrameda, a primeira viagem de circumnavegação, passando pelo Atlântico, Pacífico e Índico. Cerca de um ano e um mês após a partida, cruzou o Cabo das Onze Mil Virgens e se internou no estreito que hoje tem seu nome, até que, um mês e 597km de canal depois, alcançou o Pacífico, estabelecendo assim a primeira rota unindo os dois oceanos.

Vasco da Gama descobriria o caminho marítimo para as Índias. Partiu de Lisboa em julho de 1497, foi costeando a África até atingir o Índico e daí, subindo, até aportar, em maio de 1498, numa localidade próxima de Calicut. Em julho de 1499 a nau Bérrio, comandada por Nicolau Coelho, voltava ao porto de partida, no Rio Tejo.

Somente no século XVII, em 1616, é que o francês Jacob Le Maire, juntamente com Willem Schouten, descobriu o Cabo Horn, abrindo uma nova rota entre o Atlântico e o Pacífico. Criou, assim, uma alternativa ao Estreito de Magalhães, então dominado pela Companhia das Índias Orientais. Essas descobertas e subsequentes navegações mudaram os traçados dos mapas e das cartas náuticas, facilitando o intercâmbio comercial entre distantes pontos da terra.

Navegar pelo Estreito de Magalhães e, no Fim do Mundo, cruzar o Cabo Horn, com direito a desembarque e caminhada é um programa imperdível. A questão é que, com ventos de velocidade superior a sessenta quilômetros, não há desembarque. Pouco importa. Programas com a natureza são imprevisíveis. E o imprevisto é parte da empreitada. Atualmente, para quem quiser ousar, há uma empresa, a Australis (www.australis.com), que opera a rota, partindo de Punta Arenas, no Chile, até Ushuaia, na Argentina, ou vice-versa. Alternativamente, saída e retorno ao mesmo ponto. Neste caso, crescem as chances de garantir o desembarque no Cabo Horn.

Dispostos a correr o risco numa só travessia, decidimos fazer o percurso de quatro noites, a partir de Punta Arenas, no período de 17 a 21.10.2015. Curiosamente, a parte complicada ficou por conta da chegada a Punta Arenas e a saída de Ushuaia. Como se já não fosse estressante sair de Salvador, com conexões em São Paulo e Santiago, e chegar a Punta Arenas, a TAM achou por bem alterar horários de voos sem sequer se dar ao trabalho de avisar. Na volta, também. Mudou o horário do voo de Ushuaia para Buenos Aires, o que nos forçou a ficar mais dois dias na “Capital del Fin del Mundo”.

Exaustos, chegamos a Punta Arenas ainda na madrugada do dia 17 e fomos para o pequeno Hotel Chalet Chapital, para um banho, algumas horas de sono e um café restaurador. A equipe, atenciosa e educada, deixou-nos à vontade e deu orientações valiosas. Próximo do meio-dia, saímos a comprar roupas para substituir as da mala que foi extraviada no trecho Santiago/Punta Arenas e, claro, visitar o monumento a Fernão de Magalhães, sem esquecer a tradicional foto pegando no pé do índio Aónikenk, para garantir, como reza a lenda, o retorno à cidade.

No início da tarde fomos ao Muelle Arturo Prat, para o check-in. Depois, almoçar, conhecer o mercado, olhar os preços da Zona Franca e visitar o Museu Naval e Marítimo. Nele está preservada uma interessante coleção de peças náuticas, armas, quadros, esculturas e réplicas de embarcações que fizeram história pela região, como o Trinidad de Magalhães, o HMS Beagle de Fitzroy/Darwin, e o Endurance de Shackleton. Oferece uma boa ideia do que foi a vida dos homens que se aventuraram nas águas perigosas da região. Destaque para uma espetacular escultura em madeira retratando a ave símbolo da área, o albatroz.

O Mercado é limpo, bem-arrumado, dividido por segmentos de produtos. O setor de artesanato oferece peças de várias espécies e tipos, desde as tradicionais de lã até peças em prata e lápis-lazúli. Quanto ao restaurante onde almoçamos, a história é outra. O Solitos tem boas e confortáveis instalações com uma interessante coleção de quadros. Mas, no que interessa, a comida, deixou muito a desejar.

Punta Arenas, cidade de cerca de 133.000 habitantes, fundada em 18 de dezembro de 1848, está localizada na costa do Estreito de Magalhães, capital da Região de Magalhães e Antártida Chilena. É uma cidade bem-estruturada, agradável e com algumas atrações que justificam ficar uns dois ou três dias. Sua população é basicamente de migrantes de origem europeia – croatas, espanhóis, suíços e iugoslavos, dentre outros. Durante muitos anos, foi o ponto de partida para a navegação entre o Atlântico e o Pacífico, posição que só foi enfraquecida com a inauguração do Canal de Panamá, em 1914. Por sua posição estratégica, continua sendo a base, o ponto de partida das naves que se destinam a Antártida.

 

 

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