CAMINHO FEITO, MAIS UM CAMINHO PERCORRIDO

Caminho feito, mais um caminho percorrido, um caminho de transformação repleto de lições e aprendizados.

Caminho feito, mais um caminho percorrido.

Comecei minha caminhada quando dei os primeiros passos, lá pelos idos de 1956/57.

As possibilidades de encontros e descobertas pelos caminhos sempre foram para mim motivações capazes de superar todas as dificuldades que, porventura, pudessem surgir para a realização dos meus projetos de viagens.

Não gosto de teimosia, mas de determinação. Não gosto de dúvidas, mas da busca de respostas e soluções. Entendo que pensar e planejar são complementares ao fazer, e que o verdadeiro aprendizado decorre da prática, da experimentação.

Caminhar em direção a um templo, a um símbolo religioso, a uma manifestação real e concreta da fé e da capacidade humana de acreditar, sempre esteve em meu pensar e sentir com simplicidade e discrição. Como planta semeada, o fruto amadureceu nesse maio de 2022. Tudo conspirou a favor, como são as divinas escolhas, como sempre acontece quando estamos no rumo certo.

Nos onze dias de caminhada, a chuva ameaçou, mas não caiu forte; o frio existiu, mas não foi paralisante ou insuportável; o sol foi condescendente e respeitoso; as árvores amigas, refrescantes com suas agradáveis sombras; a saúde se manteve perfeita; as subidas e descidas não foram intransponíveis e se revelaram mestras de estratégias, formas e ritmos. Em nenhum momento o medo, a dúvida, a dor e o cansaço se manifestaram como adversários a serem vencidos, mas se comportaram nos limites de seus papéis educativos na vida humana. Estávamos atentos aos sinais da natureza, manifestos até no cantar dos pássaros, dos galos e no murmúrio das águas. Havia em nós expectativa e curiosidade sadia.

E assim, caminhamos. De passo em passo, andamos 240 quilômetros em chão de terra, asfalto, lama, pedra e calçamentos seculares. Nenhuma queda aconteceu e ninguém se machucou. Os sofrimentos e esforços físicos em momento algum chegaram ao espírito ou ameaçaram as nossas almas cheias de perguntas, dúvidas e receios. Extravasamos nos pés, transmutamos nas pernas, aprendemos com o corpo e os sentidos.

Ter feito o Caminho Português de Santiago de Compostela não me fez melhor que ninguém, maior que nada, apenas me aproximou do que tenho de melhor em mim, me fez ver com mais clareza o que me faz bem e o que me faz mal na vida que tenho, que vivo e que me resta.

Fazer o Caminho Português de Santiago de Compostela não me faz comparável a nada ou ninguém, não me faz provar nada ao mundo, apenas me dá a impagável sensação de ser um buscador do Deus em quem acredito, da natureza que amo, do Jesus Cristo que admiro, do melhor que identifico nas posturas, atitudes, gestos e comportamentos de cada ser humano.

No caminho, vi e convivi com pessoas muito diferentes, mas absolutamente iguais a mim. Gente em busca e encontrando. Havia pessoas de todas as cores de peles, falando as mais diversas línguas, altas, baixas, magras, gordas, de olhos claros e escuros, bem e mal vestidas, com suas imensas ou pequenas mochilas, todas iguais nas mesmas condições, com as mais diferentes motivações igualadas no instante comum a todos.

Havia pessoas sozinhas, acompanhadas, em grupos de três,quatro, e em grupos maiores. Havia pessoas caminhando e outras pedalando, gente igual e diferente da gente, identificadas, conhecidas em uma troca de olhar, em um sorriso, em uma frase sincera de “Bom Caminho”, “Bom Dia”, “Buenos Dias”, “Bueno Camiño”. As diferenças de idiomas eram superadas por gestos gentis de compaixão e solidariedade.

Eu fiz, aos sessenta e seis anos e três meses, o que jamais havia feito até então. Com apoios, incentivos e estímulos, parei para caminhar. Há muitos anos não conseguia me afastar mais de 15 ou 20 dias da minha casa e do meu trabalho, mas agora consegui, e a razão valeu. Saí para andar e pensar, ver, pegar, sentir, ouvir, falar, conhecer, aprender. Tudo isso aconteceu. Os cheiros de rosas, de mato molhado, de eucalipto e de muitas outras plantas me fizeram inspirar e expirar fundo por prazer e bem estar, não por exercício.

A vida e o destino, da forma imprevisível de sempre, me deram um companheiro de viagem, um amigo do Caminho, um irmão na passagem, um parceiro fantástico. Mas, isso é outra história e merece uma reflexão especial. Talvez eu conte em outra oportunidade.

Caminho feito, mais um caminho percorrido, mas um caminho de transformação, uma viagem interior, um caminho em que cada passo foi dedicado à reflexão e ao autoconhecimento e cujas lições e aprendizados ficarão marcados na vida deste peregrino.

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