Vida de Gado, Povo Feliz?
No dia 24 de março, neste mesmo jornal, escrevi um artigo sobre a situação dos invisíveis e dos excluídos, seus riscos e desafios. Com o agravamento da situação de Pandemia no Brasil, vou voltar ao tema. Estamos cuidando dos excluídos da forma correta?
Em qualquer situação de crise e catástrofe, os mais vulneráveis e frágeis são sempre os mais atingidos.
Nós, administradores de formação e exercício profissional, sabíamos, desde o começo, que a conhecida estrutura do estado brasileiro, da administração pública, seu funcionamento e operação não estavam e não estão preparados para enfrentar tamanho desastre. Um dos melhores cenários para o enfrentamento da Pandemia seria a construção de um comando e uma direção única entre os governos federal, estaduais e municipais, medidas consensuadas, articuladas e controladas conjuntamente, e isso não tem acontecido.
O que se vê e vive é a piora do que está ruim, um povo dividido, radicalizado, intolerante com seus próprios irmãos de nação e, nesse momento, de infortúnios. Louvamos as muitas iniciativas solidárias de anônimos e voluntários para amenizar a dor, a fome e o frio de muitos. Exemplos a serem seguidos, atitudes a serem comemoradas.
Tem sido estarrecedor e ultrajante ver expostas as vísceras da administração pública brasileira, o quão frágeis são as suas estruturas de gestão para fazer frente ao seu papel mínimo de cuidar do coletivo.
É inacreditável que, em 2020, grande parte dos brasileiros não tenham CPF, RG, título de eleitor e até certidão de nascimento, que não estejam orientados devidamente sobre como obter, guardar e usar seus documentos de cidadania.
É inacreditável que, após tantos anos e com tantos programas sociais, cadastros, censos e levantamentos, os dados essenciais de muitos dos brasileiros sejam desconhecidos e estejam sem controle.
Ver milhões de irmãos brasileiros necessitados nas filas, sob sol e chuva, expostos à propagação explosiva da Pandemia, para receber a ajuda financeira de emergência é mais que ultrajante, é desumano, quase um genocídio.
As medidas econômicas e financeiras do governo em apoio a parte da sociedade mais vulnerável e aos pequenos empresários é mais que louvável, é fundamental. É risível a falta de uma comunicação eficiente e eficaz, uma boa orientação aos beneficiários da ajuda de emergência, um bom planejamento, detalhamento e clareza do que, quem e como ter acesso aos recursos disponibilizados.
Não bastassem os riscos reais e imediatos oferecidos e agravados por moradias subumanas, da inexistência de saneamento básico e água potável, da falta de emprego e renda para milhões de nós e dos nossos, assistimos perplexos a ineficiência do Estado quando mais precisamos dele, até na distribuição e entregas dos apoios. Esse é o Estado que o povo brasileiro sustenta e mantém.
Os que podem estão isolados, confinados, distanciados, e orientados e sabem que isso vai passar. Os que têm consciência e sanidade sabem que a prioridade nesse momento é a vida e que depois virá o desafio da reconstrução, do recomeço. Muitos aprenderão as lições, sairão dessa, maiores, melhores e mais fortes.
A Europa, o velho mundo, já passou por duas grandes guerras e sabe como se reinventar, reerguer-se, reconstruir. Nós iremos aprender, provar que somos capazes.
Fica o apelo a cada um e a todos para que se cuidem, cuidem dos seus, cuidem de nós. É preciso repudiar com todas as forças os radicais e fanáticos espalhadores de inverdades e pânico, os terroristas cibernéticos das fake news, os corruptos e estelionatários que se aproveitam desse momento crítico, os promotores de crises que desviam energia, esforços e recursos do problema maior.
Tão importante quanto a saúde física será a saúde mental, a coragem e motivação que vamos precisar para começar de novo.
Seremos capazes sim. Este país é único, diferente, especial.