DE VOLTA A CANUDOS & ADJACÊNCIAS

DE VOLTA A CANUDOS & ADJACÊNCIAS

 

DE VOLTA A CANUDOS & ADJACÊNCIAS

Alcir Santos & Carlos Aquino

Falar de Canudos, com toda sua memória terrível e que não deve ser esquecida, é também falar do Sertão, o espaço geográfico ocupado pelas regiões agrestes “afastadas dos núcleos urbanos e das terras cultivadas”. No caso específico do Brasil, o termo é um pouco mais abrangente, incluindo as regiões pouco povoadas do interior, especialmente as zonas mais secas, onde persistem costumes e tradições antigos. Certamente o norte da Bahia, onde se encontram Monte Santo, Uauá, Jorro e mais um bom número de cidades e povoados, está inserto no conceito de Sertão. Mas, ressalte-se, este não é o Sertão de Diadorim e Riobaldo. Está muito mais para o de Fabiano, Sinhá Vitória e Baleia

Sim, estamos cientes de que retornar não é das melhores coisas a se fazer. Afinal, viver é um permanente desafio, é preciso seguir em frente, viver novas experiências, caminhando sempre, até que já não haja passos. Ainda assim, decidimos voltar, fazer um reconhecimento do já visto cientes de que, se já não somos os mesmos de antes, assim também os lugares a serem visitados.

Santa Bárbara

Começamos sem pressa, um tanto sonhadores, buscando algo de novo e, também, lugares e cantos já conhecidos. Portanto, começamos do começo. Primeira parada, Santa Bárbara onde se comia um queijo coalho sem igual.  Também a primeira frustração porque já não encontramos, sequer, os pontos de outrora; para completar, é bem que se diga, nem o queijo é tão puro assim. Mais adiante deparamo-nos com algo novo, uma prova da força e criatividade do sertanejo que, é, sim, “antes de tudo um forte.” Aqui está a prova.  Tracupá, um vilarejo como tantos outros foi transformado num um impressionante centro de produção e comercialização de artigos de couro. De encher os olhos a qualidade dos produtos, uma lista enorme de produtos como carteiras, bolsas, mochilas, cintos, uma variedade de modelos e cores. Sem pressa, passamos a circular pelos pontos de produção e venda, impressionados com aquela prova inconteste do quanto é capaz o sertanejo. Tracupá hoje produz, gera renda e dá empregos. Nas conversas, os moradores respondem com o riso largo que não esconde o orgulho.  Dali saímos, torcendo para que continuem por muitos anos, garantindo emprego e renda naquele canto do sofrido Sertão.

Na sequência, um novo Jorrinho se nos apresenta. Não mais o sensacional bode assado com farinha d’água. Agora o espaço é tomado por muita gente, mesas para todos os lados, grupos de três quatro pessoas, monopolizando os banhos. Bem diferente doutros tempos onde as tardes corriam vagarosamente, entre goles de cerveja, nacos de bode assado com  farofa d’água, intercalados por banhos e doses de pinga.  Restou-nos dar uma olhada, comer alguma coisa, pagar a conta e seguir em demanda do Jorro, direto a Pousada onde tínhamos feito reservas. Ali, deixar mochilas, vestir roupa de banho e buscar, ali na Praça Ana Oliveira, as decantadas suas águas sulfurosas a 48° C. Primeiro uma passada pelas lojas de artesanato, brinquedos de madeira e tecidos, chinelos e sandálias de couro, tudo com preços aceitáveis. Logo a agradável surpresa, o balneário está modernizado, com mais saídas de água, paredes e pisos de lajotas, dando mais conforto e segurança aos banhistas. Para compensar, não mais encontramos uma atração que marcou aquele lugar, a bodega do mágico que, com suas garrafadas, misturas de cachaças com ervas, raízes e até cobras, afirmava ter remédio para curar toda espécie de males, do corpo e da alma. Sim, pode acreditar, havia uma garrafada que, segundo ele, curava “dor de corno”. Diante de tão variada oferta, como não experimentar umas tantas, cuidando para não sair cambaleante? Pois é, já não existe, ficou na saudade. Contentamo-nos com o banho, seguido de uma cerveja para acompanhar o delicioso ensopado de galinha de quintal. Depois, a Pousada e uma boa noite de sono.

E lá vamos nós, agora uma rápida passada por Euclides da Cunha, antiga Cumbe, derivada de “quicongo”, que significa “cidade”. Distante 315 quilômetros de Salvador é sede do município inserto no “Polígono das Secas”, com seu clima tropical semiárido. Em 1938 é que o nome foi alterado, em homenagem ao engenheiro militar, jornalista e escritor, autor de “Os Sertões”. A vegetação nativa de Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que grande parte do seu patrimônio biológico não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do planeta. O nome faz alusão à paisagem esbranquiçada que a vegetação apresenta no período seco. Para completar, uma paisagem formada por vales, tabuleiros, serras e morros arredondados, cortados pelos rios e riachos que integram as bacias dos rios Itapicuru e Vaza-Barris. Sua economia repousa na produção de feijão, milho e mandioca; pecuária de ovinos, suínos, asininos, caprinos e muares; também galináceos e mel de abelhas. Para completar, exploração mineral de cal virgem e pedra.

Euclides da Cunha

Monte Santo é onde a viagem efetivamente começa. A cidade se tornou conhecida por duas razões principais. Primeira, por ter sido o quartel-general das forças do governo brasileiro durante a Guerra de Canudos, em 1896/97.  Segunda, pelo Monte Santo propriamente dito, obra do italiano Frei Apolônio de Todi. Chamado, em 1785, para uma missão de penitência na região, acabou encontrando o Monte Piquaraçá que o impressionou pela semelhança com o Monte Calvário, de Jerusalém. Resolveu transformar o monte em Sacro-Monte, rebatizando-o como Monte Santo e ali implantar os “passos da Paixão”. Convocou os fiéis que o acompanhavam, mandou que tirassem madeira e, assim, começou a erigir uma capelinha de madeira e o local para a missão. Paralelamente, mandou fossem cortados paus de aroeira e cedro e assim, fincar no Monte, a espaços regulares, cruzes, obedecendo uma ordem predeterminada: a primeira dedicada as almas; as sete seguintes  representando as dores de Nossa Senhora; e as catorze restantes lembrando o sofrimento de Cristo na caminhada para o Calvário. No dia 01 de novembro de 1785, dedicado a Todos os Santos, finalizou a procissão  com um sermão, pedindo aos fiéis que voltassem, todos os anos, naquela data, a visitar o Monte.  Para completar, foi iniciada a construção das capelas no local de cada cruz; e das igrejas do Calvário e da Matriz.

Monte Santo

Nas capelas foram colocados painéis indicando os passos; na Igreja do Calvário, entronizadas as imagens de Nosso Senhor dos Passos, Nossa Senhora das Dores e São João; na Matriz as imagens de Nossa Senhora da Conceição e do Santíssimo Coração de Jesus. Começava ali a se formar o povoado, hoje sede do município de Monte Santo.

Mais de um século depois, em 1892, chega a Monte Santo o peregrino cearense, Antônio Vicente Mendes Maciel, que se tornaria notório como Antônio Conselheiro, acompanhado por um sem número de fiéis que se dedicaram a tarefa de reformar a Via Sacra de Monte Santo. Cerca de um ano depois, fundaram, em terras de uma fazenda pertencente à vila de Monte Santo, a comunidade messiânica de Belo Monte, futuramente (1896/97) palco da cruenta Guerra de Canudos. Posteriormente Monte Santo viria a receber repetidas visitas do não menos notório Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

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