UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – VI

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – PARTE VI

Essa viagem foi apresentada em seis partes.

TEXTO: ALCIR SANTOS
FOTOS: ALCIR SANTOS e ANTÔNIO CARLOS AQUINO DE OLIVEIRA

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – VI

Tempo de terminar. Ao amanhecer de 21.10.15, o Stella já singra as águas calmas da Baía de Ushuaia. Ao fundo a cidade e o casario que se esparrama montanha abaixo, como se buscando se aninhar nas águas da baía. Compõe a imagem a précordilheira; em destaque o majestoso Cerro Martial, com seu cume gelado brilhando ao sol. Hora de arrumar as coisas e preparar para o desembarque; receber o passaporte de volta, pegar um carimbo que serve de registro da expedição e, cabeça e coração plenos de ótimas lembranças, seguir em frente. Crucero Australis já é passado.

Ushuaia – [ushu (fundo) +aia (baía) = baia profunda] — foi um dos primeiros pontos de contato entre a cultura Yagan e a europeia, então representada por missionários anglicanos.  Fundada em 12.10.1884, tem hoje uma população estimada em 65.000 habitantes.  Capital da Província da Terra do Fogo ostenta o título de “Capital do Fim do Mundo” dada a sua condição de cidade mais austral do continente. Tem história, belas paisagens, museus e bons restaurantes. Sua economia está assentada no turismo e na exploração de gás, petróleo e pescado.

Programamos passar em Ushuaia somente algumas horas, mas as trapalhadas da LAN/TAM, mudando horários de voos, nos fez ficar quase dois dias inteiros.  Tratamos de aproveitar o tempo. Deixamos a bagagem no Hotel Rosa de Los Vientos e caminhamos até o complexo onde estão o Museu do Presídio e o Museu Marítimo. Aquele, rotulado de Presídio Nacional inaugurado em 1902 e desativado em 1911. Primeiro foi presídio político, depois penitenciária comum. No auge contava com 380 celas, espalhadas por cinco pavilhões, 76 em cada um. Em tese as celas seriam unipessoais, mas chegou a alojar mais de 600 presidiários.  Dentre figuras que ali estiveram reclusas vale destacar Ricardo Rojas, advogado, professor de filosofia e Reitor da Universidade de Buenos Aires. Entre o exílio no estrangeiro e a prisão em Ushuaia, preferiu esta para não sair do seu País.  As celas onde funciona o Museu são bem conservadas, mobiliadas e “habitadas” por bonecos, em tamanho natural, representando os presos mais famosos que por ali passaram.

O Museu Marítimo de Ushuaia funciona no pavilhão 4, parte alta.  Bem cuidado e aparelhado, oferece uma boa aula sobre a história, a geografia e a conquista do continente Antártico. Rádios, fósseis, fotos, quadros, documentos, o registro das expedições polares a partir do Cook e até Wilkes, passando pela expedição de Shackleton, em 1914. Guarda também réplicas de embarcações que ficaram na história como a Trinidad e o HMS Endurance. Dos museus, sempre caminhando, paramos no La Parrila, novo nome do tradicional La Rueda. E ali nos deliciamos com um cordero patagônico, assado no fogo de chão. À noite, por indicação do pessoal do hotel, fomos ao Kaupé, ali bem próximo onde comemos centolla e merluza negra.  A despeito das boas instalações e do serviço, a comida não impressionou.

Dia seguinte pela manhã tomamos o catamarã Francesco, da Canoero Catamaranes, para um passeio pela Baía de Ushuaia, estendendo-se por uma parte do Canal de Beagle. No roteiro, além da paisagem, sem desembarque, a Isla de Los Pájaros, onde fazem pouso e ninhos alguns exemplares das aves fueguinas; Isla de Los Lobos, onde está uma colônia de lobos marinhos de um e dois pelos. Alguns são muito bonitos, com seu pelame brilhante e aparentemente sedoso. A questão é çasque, a depender da posição do vento, o bodum que vem da ilha é de doer as narinas.  Finalmente o barco contorna, com marcha bem reduzida, o “Faro Les Eclaireurs”, tido erroneamente por alguns como o farol do fim do mundo. Não é. Mas fica numa posição estratégica para a navegação e para o turismo. Além disso, abriga, na ilhota, uma colônia de Cormorones o que também justifica o passeio.

De volta a cidade, cuidamos de um bom lugar para comer e assim entramos pela tarde no excelente La Cantina Fueguina de Freddye, na San Martin. Ali se come a melhor centolla e a melhor merluza negra da cidade, acompanhadas por um bom vinho e com direito ao atendimento primoroso do garçom Miguel e do próprio Freddie. Depois dos frutos do mar, enquanto a tarde fluía, uma deliciosa cerveja artesanal, Cape Horn, sorvete de Calafate, uma espécie de fruta símbolo da Patagônia e, encerrando os trabalhos, um café irlandês. Com o corpo pesado e a alma leve, de bem com a vida e com o mundo, seguimos caminhando sem rumo certo, para sentir a cidade, ver o seu comércio e comprar algumas lembranças.

Sem dúvida Ushuaia, na Patagônia, é um lugar a ser visto. Oferece diversas opções de lazer, como trilhas, pistas de esqui.  Um detalhe que chama a atenção é o ridículo proselitismo que fazem os argentinos com relação às Malvinas. Além do enorme monumento aos mortos há, no porto, algumas placas informando que os britânicos ocupam ilegalmente essas ilhas do sul do continente e barcos ingleses não podem aportar na cidade. No fim a mistificação de sempre, transferindo aos outros os erros e a bazófia de um general que vivia embriagado.

Em consequência das mudanças de voos ficamos em Buenos Aires somente metade de um dia e uma noite.  Hospedamo-nos no Mérit San Telmo, pertinho do Café Tortoni, do Obelisco, da Casa Rosada e da Plaza del Congress e fomos ao almoço no La Brigada, na Rua Estados Unidos, também em San Telmo. Parrilla é simplesmente espetacular. Para completar, atendidos por um certo Coco, garçom simpático e bem humorado, que se exibe cortando a carne com colher. Destaque também para a decoração com motivos esportivos. Camisas, troféus e peças diversas, não só do futebol, mas também de outros esportes. Almoçar, com toda a pachorra, no La Brigada foi a forma de fechar, em grande estilo, uma viagem que ficará para sempre na memória.

Uma Viagem ao Fim do Mundo VI

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *