UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – V

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – PARTE V

Essa viagem está sendo apresentada em seis partes.

TEXTO: ALCIR SANTOS
FOTOS: ALCIR SANTOS e  ANTÔNIO CARLOS AQUINO DE OLIVEIRA

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – V

“A vista destas costas é suficiente para fazer um homem da terra ter pesadelos  durante uma semana com naufrágios, perigos e morte.” Charles Darwin – 1834

Desde 1616, quando foi descoberto, até a abertura do Canal de Panamá, em 1914, a rota mais utilizada para navegar entre a Europa e a Costa Oeste dos Estados Unidos era a que cruza o Cabo Horn, localizado na Ilha de Hornos, parte chilena do arquipélago da Terra do Fogo. Por força da violência dos mares ali na ligação Atlântico/Pacífico e da velocidade dos ventos, sempre foi temida e respeitada pelos nautas. E cobrou um altíssimo preço aos que ousaram navegar naquelas águas. Estima-se que, nestes três séculos, mais de oitocentas embarcações naufragaram nas suas tormentas, levando junto com elas cerca de dez mil vidas.

Esta passagem, num só tempo ponto de encontro e separação entre os dois oceanos, foi descoberta por mercadores em busca de oportunidades. Francis Drake, o lendário corsário inglês teria sido o primeiro a sustentar a hipótese da sua existência. Graças a ela poder-se-ia quebrar o monopólio imposto pelos portugueses, “donos” da outra passagem, a do Cabo da Boa Esperança, no sul da África. Coube ao francês Jacob Le Maine a primazia de cruzá-la, em janeiro de 1616, no comando dos barcos Eendracht e Horn, a mando do seu pai, Isaac Le Maine, estabelecendo assim a passagem meridional da América do Sul para a Ásia. A designação é uma homenagem ao barco incendiado na viagem, que era também o nome de uma cidade holandesa. Vale deixar claro que navios de grande porte, como os graneleiros e petroleiros continuam navegando pelo Horn já que o Canal de Panamá não os comporta e, a depender do destino, é mais vantajoso que ir pelo Sul da África.

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 Terminada a excursão a Isla Navarino com a magnifica vista da Baía Wulaia, retornamos ao Stella que partiu em seguida, descendo pelo Canal Murray e Baía Nassau, passando pelas Ilhas Wollaston, até atingir as míticas águas do entorno do Cabo Horn.  Por volta das 17h30min ele se tornou visível. Mar agitado, tarde bonita, céu claro. Os passageiros acorrem aos passadiços a filmar, fotografar e conversar, todos na expectativa da possibilidade do desembarque. De repente fecha o tempo, vem a cerração e o Cabo, bem ali em frente, desaparece tragado pela névoa. Todos a postos, passageiros ansiosos, tripulantes expectantes, aguardando as ordens do comandante. Os guias passam as instruções e orientações.  O tempo abre. Desembarque autorizado. Começa a azáfama que envolve a operação. O capitão Jaime Barrientos vem para a popa desejar um feliz passeio a todos e ali permanece até que sai o último Zodiac. Vem a neve e o frio aumenta, mas a tarde é boa, temperatura em torno dos 5 graus. Ainda assim o desembarque não é tão tranquilo como os anteriores. É preciso esperar o movimento das ondas e quando os botes atracam, um de cada vez, dois membros da tripulação, roupas de neoprene, ficam na água para, um de cada lado, segurar o bote e estabilizá-lo dando condições de desembarque aos passageiros.

Em terra. Hora de curtir a emoção de estar ali, no Cabo Horn, declarado pela UNESCO, em 2005, junto com o Parque Nacional Alberto de Agostini, Reserva Mundial da Biosfera.  Depois, encarar os 160 degraus de madeira e na sequência as passarelas ascendentes. À direita de quem sobe, no ponto mais alto, o imenso monumento aos navegadores, um colosso de 120 toneladas de aço, projetado para suportar ventos de até 200 km/h, com um espaço vazio no centro que forma a figura de um albatroz gigante.

Estava sendo restaurado pelo pessoal da Marinha Chilena. Em novembro de 2014 sofreu grandes avarias, provocadas por ventos que atingiram a inimaginável velocidade de 220 km/h. Escultura do artista chileno José Balcells Eyquem, é uma homenagem da seção Chilena da Confraria dos Capitães do Cabo Horn (Cap Horniers) a todos os marinheiros que perderam a vida tentando ultrapassá-lo. Inaugurado em 1992. Não podendo chegar muito perto por causa das obras, aproveitamos para apreciar as duas placas de mármore branco que ladeiam o acesso. Uma delas com os versos da poetisa chilena, de Valparaiso, Sara Vial; a outra com as informações sobre o monumento: “Em memoria de los hombres del mar de todas las naciones que perdieron la vida luchando contra los elementos em el proceloso mar austral chileno.” O monumento é, sobretudo, uma homenagem a coragem, a tenacidade e a perseverança de homens que escolheram navegar.

A seguir tomamos o caminho oposto, em direção da pequenina e despojada capela, da casa de maquinas, do farol e da residência/escritório do comandante da base que cumpre, como seus antecessores, uma estada de um ano. Na nossa passagem o comando era do simpático suboficial Manoel Calbas que ali estava, juntamente com a mulher e os dois filhos, um de 15 anos e o outro de 3, desde  novembro de 2014. Atencioso, tirou fotos com todos e falou sobre suas atividades e sobre o confinamento. Explicou que a preocupação maior era com a educação do filho mais velho, mesmo facilitada pelo acesso a internet, telefone e televisão.

Aproveitamos o tempo restante, caminhando, fazendo fotos, apreciando o ruído do vento, alguns conversando, outros perdidos nos próprios pensamentos, apreciando e sentindo a estranha beleza daquele lugar, tão ermo e tão atraente. No retorno deparamo-nos com um mar agitado e os botes balançarem muito, enquanto a neve caia, batendo no rosto, branqueando o chão, desfazendo-se na água. Um misto de paz e alegria, talvez pela sensação de ter alcançado o objetivo almejado. Talvez.

À noite, após o jantar, confraternização no salão Darwin, com brindes de despedida, rifa da bandeira do navio, leilão da carta náutica da viagem e exibição de fotos.  Alguns já dormem, cabeças sobre as mesas, cansados, embora ainda seja cedo, pouco mais de 22 horas. Todos felizes, sorrisos nos rostos, com diplomas obtidos por ter alcançado o Cabo Horn devidamente guardados.

Sou o albatroz que te
Espera no fim do mundo
Sou a alma esquecida dos marinheiros mortos
Que cruzaram o Cabo de Hornos
Desde todos os mares da terra
Mas eles não morreram
Nas furiosas ondas
Hoje voam em minhas asas
Até a Eternidade
Na última fenda
Dos ventos antárticos.”  (Sara Vidal – dez/1992 – em memória dos homens do mar que perderam suas vidas na travessia do Cabo Horn).

 

 

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