UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – IV

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – PARTE IV

A apresentação dessa viagem está sendo apresentada em seis partes.

TEXTO: ALCIR SANTOS
FOTOS: ALCIR SANTOS e ANTÔNIO CARLOS AQUINO DE OLIVEIRA

UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO – IV

Penúltimo dia da expedição. Não é o samba de Didi e Mestrinho, mas é hoje o dia. Pela manhã excursão a Baía Wulaia. À tarde, Cabo Horn. É bem perceptível a expectativa de todos, basta observar os olhares insistentes, tentando captar o humor do tempo. Hoje Poseidon e Éolo têm de estar do nosso lado. Mesmo sabendo que o tempo muda a todo instante, sentimo-nos aliviados com o amanhecer de mar tranquilo, céu claro, poucas nuvens e frio intenso. Não demora e, sem aviso, voltam os ventos e a neve. Aumenta a expectativa. Mas o desembarque está garantido. Mais ou menos na hora prevista os Zodiac começam a se deslocar conduzindo os excursionistas. A temperatura caiu para uns 2 graus. Resta agora saltar nesta parte da Isla Navarino e fazer a trilha de cerca de quatro quilômetros, sempre ascendente e mais íngreme a cada passo.

Próximo do local de desembarque está a Casa Stirling, construída em 1930 para funcionar como estação naval de rádio em apoio aos que se aventuravam pela região. Desde 2007 está sob a responsabilidade da Australis que a transformou em centro de informação para preservar o patrimônio histórico e arqueológico, instalando ali um pequeno museu que abriga painéis relativos a história dos Yamanas, fotos, utensílios de cozinha, de caça e uma réplica, em tamanho natural, do tipo de canoa que eles usavam, feita de casca de árvores.

Tanto a Baía Wulaia quanto essa parte da Isla Navarino, tem história. Aqui, em 23 de janeiro de 1833 aportou o HMS Beagle, sob o comando de Robert Fitz Roy, trazendo a bordo o naturalista britânico Charles Darwin que fez observações e colheu subsídios para suas teses científicas. Fez importante contato com os Yamanas ou Yagán, nômades da Patagônia que viviam nus, protegendo o corpo somente com gordura dos animais capturados, lobos e leões marinhos. Viviam a maior parte do tempo dentro de suas pequenas embarcações, razão pela qual tinham os membros inferiores atrofiados. Este detalhe levou Darwin a concluir que eram: “criaturas pequenas, rudes, figuras de pernas torcidas, com tronco quase reto e sem cintura.” Mais tarde ficaria convencido que, apesar das diferenças físicas, índios e europeus pertenciam à mesma espécie, embora com evoluções distintas.

Como soe acontecer nesses encontros de “civilizados” com aborígenes, os Yamanas acabaram dizimados, depois de maus tratos de todos os tipos praticados pelos “Soldados de Cristo”, desta vez Salesianos. Dos Yamanas restou somente uma pessoa, Cristina Calderón, que vive seus últimos dias em Puerto Williams.

Sob o comando de Gabi, o grupo, que agora é de sete (seis brasileiros e uma porto-riquenha), avança cuidadosamente; a neve fresca vai derretendo e formando lama escorregadia, tornando a trilha mais sofrida. É preciso pisar com atenção, de preferência sobre a marca da passada de quem vai à frente. No caminho vamos fazendo pequenas paradas, apreciando a paisagem e os encantos do local; aqui, um bosque de vegetação nativa, ali, pequenos cursos d’água que descem das montanhas geladas; acolá um lago formado pelos castores; mais adiante uma encantadora ponte de madeira sobre um arroio que desce cantando pelas pedras. À medida que subimos, a baía vai se desnudando pouco a pouco e mostrando o quanto é bela. A neve que cobre as árvores e o solo com sua vegetação rasteira forma uma paisagem encantadora. As pernas, aqui e ali, ameaçam fraquejar, sofrem com os escorregões, mas resistem.

No final, o prêmio. Do mirante no topo da montanha se pode admirar a baía e, no conjunto, o Glaciar Holanda, as Ilhas Wollaston, Glaciar Itália e, ao fundo, a Cordilheira Darwin. Gabi pede que fiquemos alguns minutos em silêncio para que possamos, com mais intensidade, contemplar a natureza e captar os seus sons, o barulho do vento, as folhas que caem, os pássaros que gorjeiam, a água que corre.  Magia pura.  A Baía Wulaia é linda demais!

Um registro. Havia uma trilha por baixo, bem mais tranquila, mas que oferecia um mirante inferior, quase à beira d’água. Ninguém aceitou. Todos, sem exceção, preferiram subir. E note que a média de idade dos passageiros era bem elevada.

 

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