CONTRARIANDO RUI BARBOSA

“Contrariando Rui Barbosa” é um artigo já publicado no “Jornal Ei, Táxi” e no livro “Reflexões de um Cidadão do Mundo”, lançado pela Editora Adelante, em 2021.

 

CONTRARIANDO RUI BARBOSA

 

Recebi de um amigo esse conhecido texto de Rui Barbosa de 1914 com a observação de ser atual:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Não incorporo a opinião de Rui Barbosa. Sinto profunda tristeza e, às vezes, desprezo e raiva dos que promovem sentimentos como os expressados por Rui Barbosa e pactuados por esse meu amigo.

Não creio que devamos aceitar a versão de que temos um pecado original a ser purgado por toda a vida ou de que “o errado está certo”. Não devemos ter vergonha, no contexto atual, de sermos sérios. Não precisamos e não devemos parar o mundo para querer descer.

Não podemos nos arrepender de sermos honestos, quando esta é uma opção que podemos e devemos fazer, mesmo quando somos discriminados, patrulhados ou tratados com preconceito por nossas escolhas, aparentemente ingênuas.

Não precisamos sentir vergonha de nós mesmos e não precisamos carregar culpas por sentir que fazemos a nossa parte por uma sociedade civilizada, fazemos o que é certo, o que determinam as leis do nosso tempo e regras sociais contemporâneas.

O mundo é assim, feito de pessoas diferentes, em diferentes níveis e estágios civilizatórios, de educação, espiritualidade e consciência.

Não devemos sentir vergonha de sermos educadores de parte do nosso povo e dos nossos filhos, embora ensinar e ser professor no sistema atual do país tenha deixado de ser uma profissão de fé para ser um sacrifico real, uma profissão de risco e de parco retorno.

Não devemos sentir vergonha de nós mesmos por sermos honestos, pelo contrário, mas não podemos aceitar e admitir como real, porém imoral e ilegal, a opção de parte do nosso povo, chamado varonil, de seguir pelo caminho da desonra e desonestidade. Existem muitos que pensam e agem assim, sem orgulho de serem honestos, probos e trabalhadores, mas conscientes que se trata de um dever, uma condição normal de vida.

Não devemos ter vergonha por termos lutado e continuarmos lutando pela Democracia, pela liberdade de ser, mesmo reconhecendo que Democracia é um regime em constante construção, um sistema desvirtuado e indevidamente apropriado, uma utopia de muitos que têm na liberdade sua maior conquista.

Não devemos ter vergonha de nós por mostrarmos aos nossos filhos um mundo real onde se vê a derrota das virtudes pelos vícios, mas a eles ensinarmos valores, princípios, ética, limites, conteúdo científico e conhecimento para fazerem as melhores escolhas, seguirem os melhores caminhos, sem tutelas. Uma decisão educativa que nos faz repousar em paz a consciência.

Não devemos sentir vergonha de nós por algumas vezes negligenciarmos a família, os amigos e a vida social, o exercício da paternidade e maternidade, para honrar a profissão, a vida política e empresarial, a condição sagrada da cidadania, cumprimos nosso papel, nossos compromissos sem nos omitirmos e nos posicionarmos diante do que discordamos, agora e sempre.

Não devemos ter vergonha de nós com a demasiada preocupação com o “eu” quando lutamos por um mundo mais justo, mais humano, mais solidário, pelo consumo responsável e racional, pelo respeito ao patrimônio e ao trabalho, contra as vaidades e egos sem controle, pelo respeito ao próximo, pelo dever e pelo direito.

Não devemos ter vergonha de nós por nos silenciarmos ou sermos humildes diante dos arrogantes, dos prepotentes, dos autoritários, dos criminosos, pois a eles não nos submetemos, não nos dobramos e dos seus grupos não fazemos parte. Jamais nos propusemos sermos justiceiros, mas, pela honra, pela liberdade e pela dignidade, se necessário daremos a vida.

Não devemos ter vergonha de nós por fazermos parte deste povo, de sermos brasileiros, nordestinos, baianos, latinos, morenos, classe média, pais e mães, empresários ou trabalhadores, pois reconhecemos que, se muitos e muitos enveredaram por caminhos que não queremos percorrer, devemos fazer dos nossos caminhos e escolhas motivos de satisfações e alegrias, de orgulho e prazer, apesar dos altos custos, perdas e danos. Apesar de tudo, não acredito que a maioria de nós tenha vergonha de ser brasileiro.

Não devemos ter vergonha da nossa impotência e incapacidade individual para mudar a cruel realidade do mundo moderno, da nossa eventual falta de garra, das nossas cotidianas desilusões e cansaços, pois devemos nos reconhecer e entender humanos, limitados, que lutam enquanto podem e acreditam, por saberem que as decepções e frustrações fazem parte da vida e que cansar é natural para os que lutaram e lutam para viver e sobreviver.

Amamos este país e esta terra, especialmente quando estamos nas praias, nas montanhas e nas chapadas, nos pampas e nos cerrados, nas cachoeiras e vales, quando ouvimos os cantos dos pássaros, as belas músicas e poesias dos nossos conterrâneos, quando lemos bons livros dos nossos bons autores, nos aconchegamos aos entes queridos, nos risos escrachados com os amigos, nas mesas fartas e repletas de tantas delícias de ver, comer e beber.

Não devemos ter vergonha de nós por não termos pena (sentimento menor e desrespeitoso), do povo brasileiro, dos nossos irmãos livres e sãos. No coletivo, nós, povo brasileiro, colhemos o que plantamos, temos o que majoritariamente merecemos, do mais primitivo ao mais erudito, de gente muito boa aos piores dos seres humanos, todos brasileiros. Vergonha e orgulho, amor e ódio de alguns brasileiros fazem parte da nossa condição humana, dos nossos valores, da nossa cultura e aprendizado, inclusive a compreensão de que não somos donos do mundo, não vamos mudar a realidade, mas que devemos fazer a nossa parte, dar o melhor de nós.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

NÃO!

Quanto mais alguns optarem por se considerar sucesso e glamour na insignificância e nulidade, quanto mais os desonrados prosperarem na lógica do ter, quanto mais houver injustiças, quanto mais os maus se apoderarem do poder, mais e mais teremos que exercitar nossas virtudes, mais teremos que cultuar a honra, mais teremos que ter orgulho de sermos honestos, para que nossos filhos e o mundo futuro saibam que nossa geração lutou, humilhou e desonrou os indignos, os injustos, os imorais,  os desonestos, para que sobreviva a semente da esperança por um mundo melhor.

Não podemos entrar na lógica que querem nos impor de que o errado está certo, de que o feio é bonito, de que o absurdo é aceitável, de que a intolerância e o desrespeito devam ser tolerados. Não podemos aceitar a inversão de valores onde o bandido é mocinho, onde o ladrão tem classificação e status

 

Antônio Carlos Aquino de Oliveira

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